Seletividade alimentar infantil: como superar?

Uma alimentação diversificada e saudável é uma das bases mais importantes para a qualidade de vida e o pleno desenvolvimento de uma criança. Por conta disso, é comum que os pais se vejam descabelados frente a filhos que não comem muito e apresentam grande resistência a experimentar novos alimentos.

No post de hoje, falaremos um pouco sobre a seletividade alimentar infantil, quais são seus principais sinais, como perceber se ela está em um nível patológico, como diagnosticá-la e, também, algumas dicas de como estimular a criança a comer melhor. Siga na leitura!

O que é seletividade alimentar

É importante começarmos falando que a seletividade alimentar é muito comum e acomete grande parte das crianças em idade pré-escolar — o problema maior é quando ela aparece em um grau muito alto e acaba se tornando patológica, podendo causar prejuízos tanto psicológicos quanto físicos no indivíduo.

Conversamos sobre o assunto com a nutricionista Ana Bonfim, que trabalha desde 2018 no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e foca seus estudos justamente nas áreas sociais e de nutrição Materno Infantil.

Ela nos contou que a seletividade alimentar começa a ser observada quando a criança tem por volta de 2 anos e transiciona de um momento da vida em que o crescimento e o ganho de peso são muito intensos para um período de maior estabilidade, o que afeta diretamente o apetite. 

“Muitos pais se assustam quando uma criança que comia bastante e ‘de tudo’  de repente começa a apresentar menos fome, mas essa condição é fisiológica e totalmente normal. Os bebês, na verdade, nascem sabendo autorregular o seu apetite e entendem perfeitamente quando estão com fome e quando não estão.

É ao longo do desenvolvimento que começamos a perder esse instinto e, enquanto adultos, temos dificuldade de entender se estamos com fome porque precisamos de alimento ou porque chegou a hora do almoço, ou mesmo porque estamos com vontade de comer alguma coisa, de maneira até psicológica.”

Sendo assim, o apetite de uma criança nessa faixa de idade se mostra menor do que quando ele era mais bebê e, até mesmo, bastante variável e imprevisível, e isso é perfeitamente normal e faz parte do desenvolvimento.”

Ana comenta também que, em torno dessa fase da vida, a criança está passando por um período de neofobia, em que começa a ter medo de tudo o que é novo. Esse comportamento também é perfeitamente normal, faz parte do desenvolvimento cognitivo e psicológico e acaba refletindo em todas as áreas da sua vida, incluindo a alimentação, o que pode fazer com que ela apresente resistência a experimentar novas comidas. 

seletividade alimentar infantil
É comum que, a partir dos 2 anos, a criança mude sua relação com a alimentação, passando a apresentar menos apetite e mais seletividade.

O que deve ser observado com atenção, no entanto, é quando esse comportamento vai além do normal e começa a apresentar um grau mais complicado de se lidar, podendo até comprometer a criança fisicamente, com perdas de peso, atraso no crescimento e deficiência de nutrientes. 

Sinais e sintomas do Transtorno Alimentar Seletivo

Também conhecida como Transtorno Alimentar Seletivo (TAS), a seletividade alimentar mais severa se caracteriza por uma forte restrição à comida, desinteresse ou, até mesmo, rejeição ao momento das refeições e falta de apetite constante. Nesses casos, é importante buscar a ajuda de uma equipe multidisciplinar especializada, envolvendo desde o pediatra que acompanha a criança até profissionais da psicologia, fonoaudiologia, nutrição e terapia ocupacional para entender onde está a questão e qual a melhor maneira de atuar para resolvê-la.

Crianças que apresentam seletividade alimentar severa costumam comer apenas alguns poucos alimentos (em geral, menos de 15 opções) que lhe pareçam seguros e confortáveis. É comum que elas recusem categorias inteiras de alimentos por conta de suas cores, sabores, texturas e aparências (não aceitar nenhuma comida verde, ou nenhuma comida pastosa, por exemplo) e apresentem comportamentos de forte rejeição a sequer experimentá-los, fechando a boca com veemência, chorando ou, até mesmo, fugindo da mesa.

Também é frequente que a criança com restrição alimentar rejeite grupos alimentares inteiros, como não comer nenhum legume, nenhuma fruta ou nenhum derivado de leite. Outro sinal comum é a falta de interesse ou, até mesmo, o repúdio ao momento das refeições, o que acaba gerando bastante estresse dentro de casa. 

seletividade alimentar infantil: restrição
Crianças com seletividade alimentar podem rejeitar grupos inteiros de alimentos e reagir negativamente ao momento das refeições.

Como estimular a criança a se alimentar

Ana nos indicou algumas estratégias que podem ser adotadas em casa para ajudar a melhorar a relação da criança com a comida e, possivelmente, estimulá-la a se alimentar. São elas:

Evitar compensações e chantagens

Oferecer compensações como presentes e sobremesas para a criança comer ou, por outro lado, ameaçar com punições caso ela não coma não são uma boa ideia e podem complicar ainda mais a relação do indivíduo com a comida, o que pode culminar no desenvolvimento futuro de algum transtorno como a compulsão alimentar ou a anorexia. 

“Para se relacionar de forma saudável com a comida, a criança precisa aprender a encará-la da forma mais natural possível, como algo gostoso, importante e natural, que não está envolvido com prêmios ou punições”, explica Ana.

Transformar o momento da alimentação 

É muito comum que pais cansados queiram tentar de tudo para a criança comer e acabem oferecendo, por exemplo, o apoio das telas. Por mais prática que pareça, essa também não é uma boa ideia. “Tapear e distrair a criança para que ela coma sem perceber não é uma rotina saudável, ela precisa aprender a participar ativamente da sua alimentação, explorando os alimentos e vivenciando o momento”, alerta a profissional. 

Uma boa sugestão é criar rituais em família e aproveitar o momento das refeições para promover a integração: quando o almoço se transforma em uma hora de conversas e exemplo, na qual as crianças comem e observam seus pais comendo, a experiência se torna muito mais positiva. 

Oferecer a diversidade

Não importa se a criança não aceitou o legume ontem, antes de ontem e na semana passada: garanta que, na maior quantidade de vezes possível, todos os grupos alimentares estarão contemplados em seu prato. “Pode ser que o pequeno demore um tempo para aceitar experimentar aquela nova verdura, mas o papel do cuidador é oferecê-la de maneira natural e frequente”, explica a nutricionista. Quem sabe olhando para aquilo em sua frente todos os dias — e, também, no prato dos adultos que a rodeiam — a criança não se sinta estimulada para, em algum momento, experimentar? 

É possível tentar, também, oferecer o mesmo alimento de maneiras diferentes. Pode ser que a criança não goste da batata em pedaços, mas quem sabe em forma de purê? Ou ainda: as rodelas de tomate podem ser substituídas pelos tomates em cubinhos, e a vagem pode ser cortada em pedaços um pouco menores. Ao conhecer diversas possibilidades para um mesmo alimento, a criança pode vir a se interessar mais por ele. Nunca deixe de oferecer!

diversidade alimentar
Oferecer o mesmo alimento em formatos diferentes pode estimular a criança a experimentá-lo!

Envolver as crianças nas etapas de preparação

Os pequenos podem ter mais dificuldade de se relacionar com o alimento quando entram em contato com ele apenas ali, dentro do prato. Que tal convidá-la a participar, da forma que for possível, no seu preparo? 

Experimente chamar a criança para ir à feira com você e ajudar a escolher os legumes. Qual abobrinha está mais bonita hoje? Olha que bonito o laranja daquela cenoura! Assim, ela começa a se envolver e criar curiosidade com o alimento bem antes da hora do almoço.

É possível também convidá-la para ajudar a lavar as folhas ou, até mesmo, dependendo da idade e de sua fase de desenvolvimento, cortar os legumes e misturar as folhas da salada. Se sentir como parte ativa de seus processos ajuda a criança a ter mais interesse por eles e, também, desenvolver a autonomia. 

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Convidar o pequeno a fazer algumas escolhas

A responsabilidade sobre qual será o prato do dia não deve cair sobre uma criança, que não tem maturidade para isso e pode, inclusive, se sentir sobrecarregada — mas fazer pequenas escolhas também a ajudam a se sentir envolvida no processo, desenvolver autonomia e ter mais vontade de comer.

Qual será o feijão do dia, o preto ou o carioca? Hoje teremos purê de batata ou de mandioquinha? O verdinho do prato ficará por conta do espinafre ou do brócolis? Ofereça opções de valor nutricional similar, para que a escolha da criança não acarrete no empobrecimento do prato, e deixe que ela tome pequenas decisões!

Nunca reforçar rótulos

As crianças são muito mais espertas do que parecem e estão com as “anteninhas ligadas” o tempo todo. Evite a todo custo falar perto dela coisas como “meu filho não come” ou “o Bernardo não gosta de experimentar nada novo”. Esses rótulos acabam tendo um poder muito maior do que imaginamos e, se ela passa a se reconhecer por meio deles, pode ser muito mais difícil reverter a seletividade. 

Transtornos sensoriais e a seletividade alimentar

É por meio dos nossos sentidos que nos relacionamos com os estímulos do mundo e o experimentamos. Um Transtorno de Processamento Sensorial (TPS) é uma condição na qual o cérebro e o sistema nervoso apresentam dificuldades em processar esses estímulos, seja em maior ou menor grau, e é muito comum que ele apareça em crianças com autismo

Essa desregulação altera, portanto, a intensidade com a qual o indivíduo recebe esses estímulos, podendo ser de forma mais baixa ou mais alta que o normal. Quando existe um Transtorno de Processamento Sensorial Oral, isso acaba refletindo diretamente na rotina alimentar da criança. 

Indivíduos hipersensíveis comumente têm aflição a certas texturas de comidas, passando a evitá-las, e apresentam, também, muito receio em experimentar novos alimentos. Dificuldades com a mastigação e a deglutição também são frequentes, assim como a ânsia de vômito. Indivíduos hipossensíveis, por sua vez, demandam estímulos mais potentes, o que faz com que acabem tendo uma forte preferência por comidas mais quentes e picantes. 

seletividade alimentar infantil
Crianças com Transtorno de Processamento Sensorial podem apresentar dificuldades específicas com certas texturas, gostos, consistências e temperatura dos alimentos.

O mais importante nesses casos, segundo Ana Bonfim, é lembrar que cada caso é um caso, e cada criança tem suas especificidades. Dessa forma, ao lidar com pequenos diagnosticados com autismo e TPS, é preciso trabalhar as estratégias já citadas no texto de maneira ainda mais paciente e com o olhar extremamente apurado para entender melhor os motivos da recusa dos alimentos.

“Muitas vezes, as crianças com autismo desenvolvem questões relacionadas ao próprio ritual da alimentação e, nesses casos, até a posição do prato e dos talheres na mesa podem influenciar sua vontade de comer. Eles podem não querer, por exemplo, que o alimento esteja todo misturado, querendo perceber cada um deles em seu lugar respectivo no prato. Algumas crianças com TPS mais aflorado podem criar uma aversão maior a certas texturas, cheiros e consistências dos alimentos, o que precisa ser trabalhado com muita calma.”

A profissional ainda frisa que, embora seletividade alimentar e alergia sejam questões diferentes, crianças que têm mais dificuldade em se comunicar verbalmente podem acabar dando sinais comportamentais de que algo não vai bem em seu corpo

Pode ser, por exemplo, que o pequeno não saiba dizer que sente dor de barriga todas as vezes que come um derivado de leite, mas internamente ele já percebeu isso e vai passar a recusar esse alimento sem que o adulto entenda, necessariamente, o porquê. Por isso é tão importante prestar atenção a cada sinal das crianças neuro divergentes para buscar entender o que seus comportamentos querem dizer. 

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Como diagnosticar um transtorno de seletividade alimentar?

Um transtorno de seletividade alimentar não é uma síndrome ou doença que possa ser diagnosticada de maneira precisa com base em exames. Portanto, para que ele seja percebido, é preciso que os pais prestem bastante atenção nos sinais que as crianças dão e, é claro, em sua condição física.

Se a criança não demonstra muito apetite mas segue se desenvolvendo dentro do esperado, ganhando peso, se mostrando ativa e tem seus exames de sangue apontando bons níveis de nutrientes, possivelmente não existe um motivo para preocupação. 

De qualquer forma, pode ser interessante buscar a avaliação de uma equipe multidisciplinar para entender se é realmente apenas uma questão de apetite ou se existe algum problema escondido, como dificuldade na mastigação e na deglutição, problemas gastrointestinais ou, até mesmo, questões psicológicas envolvidas. 

Como a terapia ocupacional e os recursos oromotores podem ajudar?

Assim como o diagnóstico, o tratamento para contornar a seletividade alimentar infantil deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar que possa oferecer apoio nos diversos âmbitos que contornam a alimentação. A terapia ocupacional é um deles, por atuar na integração sensorial da criança que, porventura, apresente essas dificuldades.

Um terapeuta ocupacional pode atuar na diminuição da seletividade alimentar agindo justamente em uma de suas motivações, que pode estar na hipersensibilidade da criança e sua consequente ojeriza a determinadas texturas de alimentos.

Esse trabalho pode se dar, por exemplo, por meio da exploração do próprio alimento e de seus estímulos táteis. Se o pequeno não aceita o brócolis de jeito nenhum, que tal promover uma aproximação lúdica com a verdura, sugerindo que a criança o segure nas mãos e amasse? Nessas situações, “brincar com a comida” está totalmente liberado!

Além dos protocolos de treinamento que podem ser desenvolvidos no consultório e por meio de exercícios em casa, a terapia ocupacional pode atuar nessa dessensibilização por meio de recursos oromotores: estímulos de vibração, como a Z-Vibe, ou gustativos, como o pirulito esponja. Essas ferramentas podem ser excelentes para trabalhar possíveis dificuldades orais que a criança apresente e que atrapalhem sua relação com o alimento. Para conhecer os recursos oromotores do Amigo Panda é só clicar no banner abaixo!

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